É uma sigla, um conceito, uma arma de guerra, um veículo de transporte, uma idéia de liberdade, ou tudo isso junto?
Na realidade, ele é tudo isso junto, e muito mais coisas que se fossemos enumerar, levaríamos muito tempo para isso.
Quando essa pequena máquina foi idealizada, o mundo estava extremamente conturbado, e por qualquer razão do destino, o engenheiro Karl K. Probst e toda a sua equipe conseguiram misturar a quantidade certa de aço e determinação, que seduziria geração após geração, milhões de pessoas que direta ou indiretamente acabaram tendo contato com esses veículos e seus descendentes.
Até hoje, mais de 60 anos após o seu nascimento, ele é desejado como um símbolo da liberdade. Sim, da liberdade, já que com ele se pode ir a lugares e fazer coisas que seriam praticamente impossíveis com qualquer outro tipo de veículo.
No começo da sua vida, ele representou realmente a liberdade para a população da Europa. Ele razia as tropas e os suprimentos tão necessários para aquele povo oprimido pelos rigores de uma guerra, que já durava muito tempo.
Passou por mudanças de tamanho, de motor, de sistema elétrico, de praticamente tudo que se pode imaginar através dos anos, mas nunca deixou de ter aquela aura mística com que nasceu. Um Jeep chama a atenção dos olhares, onde quer que seja, e em qualquer estado de conservação que se encontre.
O meu Jeep, um MB de fevereiro de 42, quando chegou às minhas mãos, estava num estado que dava dó!
O pobre coitado parecia que tinha vindo não de uma, mas de todas as guerras que já foram travadas e sempre tinha ficado do lado que perdeu. Faltavam todos os equipamentos militares e algumas outras peças tinham sido adaptadas. Em resumo, uma tremenda granada sem pino. Eu olhava e pensava no que ele já havia passado, nas muitas mãos que o haviam dirigido e em todas as situações que ele havia enfrentado. Conseguiu se safar de todas, pois afinal ele estava ali na minha frente. Achei que ao invés de transformá-lo em mais um dos muitos veículos modificados que havia na época, iria devolver àquele velho guerreiro a sua aparência original. Muitos colegas me chamaram de louco, mas isso absolutamente não me demoveu da idéia de restaurar aquela máquina maravilhosa. Bem, aos meus olhos era uma maravilha, mas essa opinião nem sempre era compartilhada pelos outros.


O que aconteceu nos anos seguintes, foi uma sequência interminável de buscas nos depósitos de sucata, arsenais do Exército, consultas infindáveis em manuais e livros especializados (na época não existiam nem o computador pessoal e muito menos a Internet), e principalmente foi a determinação de querer colocar aquele veículo de volta nas condições em que saiu da fábrica, ou ao menos quase isso. Para muitos colegas, eu tinha virado um tremendo chato, pois queria que a minha máquina tivesse o maior número possível de peças originais, e não media esforços para isso. Quando havia um leilão de peças no Exército, um amigo meu, o Pepe, me avisava e logo que o material chegava, eu ia vasculhar as pilhas de peças à cata de algo que eu não tivesse, ou algo em melhor estado do que eu tinha. Ao longo dos anos acabei acumulando centenas de quilos de peças. Muitas dessas ainda nas caixas originais de madeira, como câmbios, caixas de reduzida, de direção e muitas outras coisas. Houve uma ocasião, em que eu comprei um caixote fechado de lanternas militares ainda na embalagem de cera. Todas elas em 6 volts. Quando cheguei em casa, dois amigos estavam me esperando. Ao me verem descarregar aquela caixa lotada de lanternas, perguntaram se eu ia abrir um depósito de sucata para fazer concorrência com o Pepe, mas não liguei para isso e deixei passar. Depois de alguns anos, esses mesmos amigos, se meteram a restaurar um Jeep cada um, e nessa hora, vieram ver se eu ainda tinha aquela sucata rara, que eles estavam precisando.

A parte mais difícil da pintura foi convencer o pintor de que o carro inteiro deveria ser pintado da mesma cor. Êle achava e insistia que chassi de Jeep foi e sempre deveria ser pintado de preto. Depois de muita conversa, consegui convencê-lo de que aquele carro não era um Jeep comum e que deveria ser pintado todo da mesma cor. Santa paciência e diplomacia!
Outra seqüência de paciência e diplomacia tive que ter com o funileiro, que queria tampar todos os furos que encontrava pelo caminho. Passei dias na oficina, trabalhando junto, para dizer o que tampar e o que não. Nessa operação de tapa buraco desnecessário, fizemos uma descoberta que emocionou a todos que estavam envolvidos no projeto de restauração. A lateral direita do Jeep estava repleta de perfurações de projeteis, e com toda certeza, quem estivesse por ali não teria tido chance de escapar com vida. A fonte que me forneceu o veículo me cedeu posteriormente também o diário original dele. Aquele carro havia estado na frente de batalha da Itália e numa emboscada, feita a um comboio, numa estrada de Salerno, haviam morrido todos os ocupantes (um sargento e quatro soldados), sendo que um deles não fazia parte da equipe e havia pegado uma carona, pois o seu tanque havia sofrido uma pane e estava inutilizado. Realmente era um milagre que aquele veículo estivesse ali na nossa frente!
Tirando essa parte, que mexeu com todo mundo, a restauração seguiu seu caminho quase que retilíneo.

Os diferenciais "0" km foram colocados e várias peças do compartimento do motor também, e até os aros das rodas, que são desmontáveis, foram tirados das caixas originais. Enfim, quase que todo ele foi recuperado com peças originais e novas. A busca pelas peças, havia se tornado um hobby para mim e eu conseguia cada vez mais peças originais para a minha coleção de sucatas raras.
As histórias que aconteceram durante e após a restauração desse Jeep, foram tantas, que dariam um livro. O que absolutamente não pretendo fazer. Mas contaria para qualquer pessoa que tivesse paciência e tempo para escutar.
Muita água rolou por baixo da ponte até a hora em que finalmente consegui deixar o meu Jeep Militar mais ou menos como havia imaginado. Na realidade, uma restauração dificilmente termina, pois a gente sempre encontra alguma coisa a mais que poderia ou deveria ser colocada no veículo. O mais importante de tudo é fazer uma pesquisa bem detalhada sobre que versão se quer fazer do Jeep antes de começar, assim evitamos que as nossas máquinas pareçam árvores de natal, lotadas de acessórios muitas vezes incompatíveis para serem usados em conjunto.

Posso afirmar com toda a certeza do mundo, que foi um esforço que valeu a pena, pois hoje ele é meu orgulho e foi meu companheiro fiel em muitos caminhos e situações em que nós dois dependíamos somente um do outro.