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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Camburão Alemão - Jerrycan

Apesar do nome, não tem nada a ver com o veículo que a policia usa e sim com aquela "lata" que usamos para transportar combustível para nossos veículos fora-de-estrada.
Sua origem remonta a antes da Segunda Guerra Mundial, quando o Exército Alemão estava se rearmando para novamente enfrentar o mundo.
Foi em novembro de 1936 que o Exército Alemão fez um convite para que fosse apresentado um novo desenho de um reservatório de combustivel que substituisse as antigas latas de gasolina usadas até então e para equipar as novas unidades motorizadas.
A Empresa Müller de Schwelm sob a direção do chefe de engenharia, o engenheiro Vinzenz Grünvogel (1905-1977) desenvolveu uma lata de desenho revolucionario.
A única coisa que podemos afirmar com certeza absoluta é que ele surgiu de um estudo muito grande de engenharia, pois aquela "pequena" e simples "lata" encerra segredos que muitos de nós desconhecemos.
Como todas as coisas que eram feitas antigamente, ele tinha que ser construído com material de alta qualidade, pois sua forma de construção exigia chapas de aço com grande elasticidade para agüentar o repuxo do ferramental. A solda que unia as duas metades tinha que ser feita com uma uniformidade precisa, já que a possibilidade de empená-las e inutilizar o conjunto todo era bem grande.
Se olharmos os camburões de lado, notaremos que atrás da alça de transporte existe uma saliência. Ela serve para que a gasolina tenha espaço para se expandir quando a temperatura externa aumenta. Caso contrário teria um problema freqüente de vazamento pelo bocal, por mais que apertássemos a tampa.
Outra característica também no bocal é a presença de um tubo ou conduto que leva o ar da boca para a saliência traseira, fazendo com que o fluxo de combustível saia de modo constante, sem os trancos (parecidos com goles) provocados pela diferença de pressão externa e interna no momento em que tombamos o camburão para retirar o líquido de dentro. Aliás, o bocal do camburão alemão é uma obra de arte em termos de estamparia. A própria trava de fechamento faz uma alavanca que puxa a tampa contra o bocal, tornando-a hermética.
Suas três alças foram projetadas de tal modo que poderiam ser usadas do seguintes modos: um soldado pode levá-lo pela alça central com relativo conforto até onde fosse necessário. Dois soldados poderiam dividir o peso da carga simplesmente segurando cada um numa das alças externas, caso a distância a ser percorrida fosse maior. Quando estivesse vazio, um soldado poderia levar até quatro deles, segurando as alças externas com apenas uma mão em cada conjunto.
Suas laterais frisadas dão ao conjunto uma maior rigidez e diminuem os danos provocados por impactos. Quando do primeiro confronto dos alemães com os ingleses, essa estranha "lata" chamou a atenção pela sua resistência e possibilidade de reutilização, já que os britânicos utilizavam latas descartáveis semelhantes àquelas em que é vendido querosene hoje em dia nos postos de gasolina. Como diz o velho ditado popular, "nada se cria, tudo se copia", foi exatamente isso que os ingleses fizeram: copiaram a "lata" alemã nos seus mínimos detalhes, mudando apenas as inscrições, é lógico.
Os primeiros a "copiarem" o camburão, mas com algumas modificações, foram os americanos. Estes por sua vez deram uma "mexida" no projeto original e refizeram alguns itens para facilitar a construção de tal modo que não fossem necessários materiais de tão boa qualidade como no modelo alemão. Um exemplo disso foi a substituição da construção em duas metades por um sistema mais simples. O corpo principal era feito a partir de uma lâmina reta de chapa de aço, que após receber o estampo dos reforços e das marcas, era calandrada até ficar no formato semelhante ao alemão. Depois as duas pontas eram unidas com solda, formando uma espécie de tubo retangular com os cantos arredondados. Esse tubo era, por sua vez, soldado a uma tampa superior que incorporava o bocal e as alças de transporte e uma inferior que fechava o conjunto todo. A principal diferença entre o camburão americano e o alemão era o bocal. No americano era um bocal grande com tampa rosqueada e no alemão era um bocal pequeno e saliente com a tampa fechada sob pressão da trava acoplada na própria tampa. Enquanto que no sistema alemão o mesmo tipo de camburão era usado tanto para gasolina, diesel e água (neste caso, ele recebia uma cruz branca pintada de ponta a ponta e um revestimento especial por dentro), no sistema americano o camburão de água além de uma letra “W” estampada no corpo, tinha um bocal com tampa semelhante ao alemão, só que muito maior, tanto que dá para colocar a mão por dentro o que facilita a lavagem interna. O de gasolina tinha por sua vez uma letra “G” estampada, o bocal é menor e tem uma tampa rosqueada e esta possui quatro "orelhas" para facilitar o aperto.
Tanto o alemão como o americano têm um acessório muito útil que é o tubo que se coloca no bocal para facilitar a descarga do líquido sem derramar fora. É um dispositivo que se acopla ao bocal e é feito de um duto espiralado e móvel que facilita em muito a operação de reabastecimento dos veículos. Um detalhe bastante interessante é que esse duto tem na sua ponta um filtro no formato de um cone, feito de tela de latão bem fino para separar detritos que porventura estejam no combustível e que se fosse parar no tanque, poderiam provocar um entupimento. Já imaginou um entupimento em pleno combate?
Uma última curiosidade sobre os camburões é que se alguém tiver alguma dúvida a respeito da paternidade deles, é só ver com que apelido eles são chamados pelos americanos: JERRYCAN.
CAN em inglês significa "lata" e JERRY era um dos apelidos que os alemães tinham na época da Segunda Guerra. Portanto se juntarmos as duas palavras teremos: "lata do alemão".
Após a Segunda Guerra, gigantescas quantidades de camburões tanto aliados como capturados foram distribuídas para os aliados, juntamente com os veículos e equipamentos excedentes. Após algumas décadas de uso e maus tratos eles foram se acabando. Por isso é tão difícil encontrarmos um original em boas condições hoje em dia.
Vários dos países que os receberam, começaram a fabricá-los de acordo com suas especificações e necessidades. Hoje em dia temos uma variedade enorme de tipos e de materiais que vão do aço inox ao polímero, mas todos eles com uma única origem: o JERRYCAN alemão que obviamente não tinha esse nome na Alemanha. Lá ele era conhecido como Kanister.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O que é um Jeep?


É uma sigla, um conceito, uma arma de guerra, um veículo de transporte, uma idéia de liberdade, ou tudo isso junto?
Na realidade, ele é tudo isso junto, e muito mais coisas que se fossemos enumerar, levaríamos muito tempo para isso.
Quando essa pequena máquina foi idealizada, o mundo estava extremamente conturbado, e por qualquer razão do destino, o engenheiro Karl K. Probst e toda a sua equipe conseguiram misturar a quantidade certa de aço e determinação, que seduziria geração após geração, milhões de pessoas que direta ou indiretamente acabaram tendo contato com esses veículos e seus descendentes.
Até hoje, mais de 60 anos após o seu nascimento, ele é desejado como um símbolo da liberdade. Sim, da liberdade, já que com ele se pode ir a lugares e fazer coisas que seriam praticamente impossíveis com qualquer outro tipo de veículo.
No começo da sua vida, ele representou realmente a liberdade para a população da Europa. Ele razia as tropas e os suprimentos tão necessários para aquele povo oprimido pelos rigores de uma guerra, que já durava muito tempo.
Passou por mudanças de tamanho, de motor, de sistema elétrico, de praticamente tudo que se pode imaginar através dos anos, mas nunca deixou de ter aquela aura mística com que nasceu. Um Jeep chama a atenção dos olhares, onde quer que seja, e em qualquer estado de conservação que se encontre.
O meu Jeep, um MB de fevereiro de 42, quando chegou às minhas mãos, estava num estado que dava dó! O pobre coitado parecia que tinha vindo não de uma, mas de todas as guerras que já foram travadas e sempre tinha ficado do lado que perdeu. Faltavam todos os equipamentos militares e algumas outras peças tinham sido adaptadas. Em resumo, uma tremenda granada sem pino. Eu olhava e pensava no que ele já havia passado, nas muitas mãos que o haviam dirigido e em todas as situações que ele havia enfrentado. Conseguiu se safar de todas, pois afinal ele estava ali na minha frente. Achei que ao invés de transformá-lo em mais um dos muitos veículos modificados que havia na época, iria devolver àquele velho guerreiro a sua aparência original. Muitos colegas me chamaram de louco, mas isso absolutamente não me demoveu da idéia de restaurar aquela máquina maravilhosa. Bem, aos meus olhos era uma maravilha, mas essa opinião nem sempre era compartilhada pelos outros.
Uma passagem muito engraçada aconteceu algum tempo depois, quando eu estava prestes a começar a restauração. A minha namorada na época, estava fazendo uma atividade com as Bandeirantes numa praça próxima da minha casa. Fui até lá com a minha “máquina maravilhosa” e mostrei todo orgulhoso o meu Jeep Militar. O que ela viu na realidade era um Jeep velho, feio, faltando dois bancos, sem capota, com uma cor verde limão horrível, o alojamento interno dos paralamas pintados de vermelho e com as rodas pintadas de verde escuro. Ela fez uma cara de espanto e por educação achou muito bonito. Só muitos anos depois eu soube o que na realidade havia se passado, na cabeça dela, naquela hora. Algo impróprio demais para ser colocado numa matéria como esta.
O que aconteceu nos anos seguintes, foi uma sequência interminável de buscas nos depósitos de sucata, arsenais do Exército, consultas infindáveis em manuais e livros especializados (na época não existiam nem o computador pessoal e muito menos a Internet), e principalmente foi a determinação de querer colocar aquele veículo de volta nas condições em que saiu da fábrica, ou ao menos quase isso. Para muitos colegas, eu tinha virado um tremendo chato, pois queria que a minha máquina tivesse o maior número possível de peças originais, e não media esforços para isso. Quando havia um leilão de peças no Exército, um amigo meu, o Pepe, me avisava e logo que o material chegava, eu ia vasculhar as pilhas de peças à cata de algo que eu não tivesse, ou algo em melhor estado do que eu tinha. Ao longo dos anos acabei acumulando centenas de quilos de peças. Muitas dessas ainda nas caixas originais de madeira, como câmbios, caixas de reduzida, de direção e muitas outras coisas. Houve uma ocasião, em que eu comprei um caixote fechado de lanternas militares ainda na embalagem de cera. Todas elas em 6 volts. Quando cheguei em casa, dois amigos estavam me esperando. Ao me verem descarregar aquela caixa lotada de lanternas, perguntaram se eu ia abrir um depósito de sucata para fazer concorrência com o Pepe, mas não liguei para isso e deixei passar. Depois de alguns anos, esses mesmos amigos, se meteram a restaurar um Jeep cada um, e nessa hora, vieram ver se eu ainda tinha aquela sucata rara, que eles estavam precisando.

Uma coisa que me preocupava, era a hora de fazer a pintura, pois um Jeep Militar tinha que ser verde oliva. O problema estava exatamente aí. O verde oliva era proibido na época (1976), e eu não concebia a idéia de pintar o meu carro de outra cor. Mais pesquisa e a resposta veio como um raio que clareou tudo ao redor. Bem no começo da guerra, os americanos pintavam os carros numa cor chamada cáqui (Kakhi) ou Havana. Era isso! O meu carro iria ser pintado nessa cor, já que ela era original e não era proibida por aqui. Consegui, depois de um bom tempo, uma amostra da cor e mandei para uma fábrica de tintas para ser analisada. A resposta foi um "sem problema" da empresa e lá fui eu encomendar alguns galões da tão desejada tinta. Quando ela chegou, foi um delírio! Finalmente o carro iria ser pintado numa cor que não fugiria da originalidade e nem desagradaria o governo.
A parte mais difícil da pintura foi convencer o pintor de que o carro inteiro deveria ser pintado da mesma cor. Êle achava e insistia que chassi de Jeep foi e sempre deveria ser pintado de preto. Depois de muita conversa, consegui convencê-lo de que aquele carro não era um Jeep comum e que deveria ser pintado todo da mesma cor. Santa paciência e diplomacia!
Outra seqüência de paciência e diplomacia tive que ter com o funileiro, que queria tampar todos os furos que encontrava pelo caminho. Passei dias na oficina, trabalhando junto, para dizer o que tampar e o que não. Nessa operação de tapa buraco desnecessário, fizemos uma descoberta que emocionou a todos que estavam envolvidos no projeto de restauração. A lateral direita do Jeep estava repleta de perfurações de projeteis, e com toda certeza, quem estivesse por ali não teria tido chance de escapar com vida. A fonte que me forneceu o veículo me cedeu posteriormente também o diário original dele. Aquele carro havia estado na frente de batalha da Itália e numa emboscada, feita a um comboio, numa estrada de Salerno, haviam morrido todos os ocupantes (um sargento e quatro soldados), sendo que um deles não fazia parte da equipe e havia pegado uma carona, pois o seu tanque havia sofrido uma pane e estava inutilizado. Realmente era um milagre que aquele veículo estivesse ali na nossa frente!
Tirando essa parte, que mexeu com todo mundo, a restauração seguiu seu caminho quase que retilíneo.
Numa determinada manhã, durante a restauração, o dono da oficina onde tudo estava acontecendo, me falou que os diferenciais precisavam de uma reforma completa, devido ao desgaste natural. Pensei um pouco e disse-lhe que iria trazer diferenciais novos e que a reforma não era necessária. Êle me olhou e começou a rir e me disse algo como "Paulo acorda. Não estamos falando de um carro normal que você pode comprar as peças em qualquer loja. Estamos falando de um veículo da Segunda Guerra, e que está fora de produção há 30 anos no mínimo (estávamos em 1976)". Fiz de conta que aceitei a explicação dele e fui para casa. À tarde, voltei na oficina, com a Caravan do meu pai, carregando dois caixotes que pareciam caixões de defunto. Quando estacionei, o Camilo (o dono) veio ver o que eu estava trazendo. Quando abri a tampa traseira do carro, ele ficou olhando com uma cara de espanto para aquelas duas caixas enormes e com alças de corda e pelo jeito estava com medo de perguntar o que o que elas continham. Olhei bem para ele e disse: "Em vez de ficar com essa cara, dá para me ajudar a descarregar esses dois diferenciais?". Quando abri os caixotes, ele não acreditava no que estava vendo: Dois diferenciais "0" km envoltos em cera, na cor original, e precisando apenas serem colocados nos devidos lugares. Quando o choque inicial passou, ele me perguntou se eu havia roubado aquilo de algum museu. Ele não fazia idéia da quantidade de peças que eu tinha em estoque.
Os diferenciais "0" km foram colocados e várias peças do compartimento do motor também, e até os aros das rodas, que são desmontáveis, foram tirados das caixas originais. Enfim, quase que todo ele foi recuperado com peças originais e novas. A busca pelas peças, havia se tornado um hobby para mim e eu conseguia cada vez mais peças originais para a minha coleção de sucatas raras.
As histórias que aconteceram durante e após a restauração desse Jeep, foram tantas, que dariam um livro. O que absolutamente não pretendo fazer. Mas contaria para qualquer pessoa que tivesse paciência e tempo para escutar.
Muita água rolou por baixo da ponte até a hora em que finalmente consegui deixar o meu Jeep Militar mais ou menos como havia imaginado. Na realidade, uma restauração dificilmente termina, pois a gente sempre encontra alguma coisa a mais que poderia ou deveria ser colocada no veículo. O mais importante de tudo é fazer uma pesquisa bem detalhada sobre que versão se quer fazer do Jeep antes de começar, assim evitamos que as nossas máquinas pareçam árvores de natal, lotadas de acessórios muitas vezes incompatíveis para serem usados em conjunto.
Posso afirmar com toda a certeza do mundo, que foi um esforço que valeu a pena, pois hoje ele é meu orgulho e foi meu companheiro fiel em muitos caminhos e situações em que nós dois dependíamos somente um do outro.